11 de maio de 2018

A Lógica da Globalização – por Silvio Caccia Bava | Temática Povos&Lugares

por Silvio Caccia Bava

Cena do filme Congo em Guerra, de Daniel McCabe

A sequência de filmes que compõem esta seção de “Povos&Lugares” da 7ª Mostra Ecofalante tem vários elementos em comum.

De um lado, os filmes apontam: raízes em uma cultura e tradições locais, respeito e valorização da diversidade, uma relação de cuidado com a natureza, com o meio ambiente, mostrando as identidades de povos muito ligados ao território em que vivem e trabalham, suas formas particulares de tirar seu sustento em uma relação respeitosa com a natureza.

De outro, os filmes mostram a avassaladora mercantilização da vida, isto é, a transformação de todas relações sociais em relações de mercado, de compra e venda, de busca do lucro, de pasteurização de todas as diferenças, de acumulação de riquezas às custas da penalização e mesmo espoliação das maiorias. Também mostram que novas tecnologias podem ser devastadoras tanto da natureza quanto dos seres vivos e, especialmente, dos seres humanos.

À medida que vão se introduzindo nessas culturas a “modernidade”, o “progresso”, a mecanização, aumenta a capacidade dessas comunidades retirarem da natureza não só seu sustento, mas também um excedente. Nessa nova condição, vai se introduzindo também uma mentalidade capitalista, competitiva, que busca aumentar cada vez mais essa produção excedente, porque a motivação agora é outra. Não se trata mais de produzir para o sustento, se trata de ganhar a maior quantidade de dinheiro possível, mesmo que isto implique na pesca predatória, no extermínio de espécies. Podemos ver isso nos filmes A Ilha e as Baleias e em Pulso.

E as novas tecnologias ajudam este projeto. As próprias comunidades vão se transformando, a sociedade se configura de outra forma, pautada pela competição, pelo individualismo, valorizando especialmente a meritocracia e o consumo, em torno do qual tudo passa a se organizar.

Na atualidade, pleno século XXI, esta lógica predatória dos recursos naturais – da fauna e da flora, das águas, das terras, dos recursos minerais, de toda esta riqueza que sempre se afirmou como bens comuns para as populações tradicionais – ameaça o planeta e todas as formas de vida, inclusive a humanidade. Este é o período em que vivemos: o antropoceno.

Os atores deste processo deixaram de ser os membros das comunidades em que se exploram as riquezas naturais, passaram a ser grandes companhias de mineração, do agronegócio, do petróleo, grandes empreiteiras de obras públicas que não têm nada a ver com as comunidades em que atuam.   

A disputa pelos recursos naturais e pelo controle e exploração destas riquezas dá margem a muita violência, a guerras, massacres de populações tradicionais, ou dos “pueblos originários”, como se identificam as populações autóctones em espanhol. Congo em Guerra trata de um país maravilhoso, com natureza exuberante, que sofre com guerras e todas suas consequências, transformando-se num lugar de fome e miséria.

As migrações que daí decorrem são um fenômeno cada vez mais importante. Populações são expulsas de suas terras por força da escassez de recursos naturais, como a água, ou pelas guerras que disputam estas riquezas.  

Ao se tornarem massivas, essas migrações geram disputas, discriminações, atos hostis da parte de quem se vê ameaçado pela chegada do estrangeiro, por uma língua e uma tradição cultural e costumes distintos dos seus.  Sangue Sami, com beleza e sensibilidade, aborda este tema.

A escassez do emprego, por exemplo, leva a que a população local se oponha à chegada de novos trabalhadores em busca do que fazer e passe a discriminar e combater culturas e costumes distintos dos seus.

Não importa se falamos da Guatemala, do Congo ou de uma comunidade dos países nórdicos, todos eles estão submetidos à mesma lógica do capitalismo, de organizar a sociedade para atender aos interesses do lucro de poucos, em detrimento dos interesses das maiorias. E por que não dizer, também, em detrimento das gerações futuras?

Esta é a globalização que vivemos, a globalização do poder das grandes empresas que se impõe sobre os governos e determinam o modo de vida das pessoas, o posicionamento de governos, os conflitos da atualidade. Não se trata mais de buscar o melhor para as comunidades e cuidar que as fontes de seu sustento se mantenham íntegras, isso ficou para trás.

Cena do filme A Ilha e as Baleias, de Mike Day. Imagem: divulgação

Para impulsionar a acumulação e facilitar os negócios, prevalece o espírito predador, não importam os danos. Como a tecnologia permite o aumento de escala, é preciso lançar mão de mega obras como hidrelétricas na Guatemala ou mesmo um canal transoceânico, como o que se está construindo na Nicarágua, acontecimentos tratados nos filmes A Terra Não Pôde Falar e N-Água, que abordam estes temas e mostram, com delicadeza, as reações humanas frente a esses atos de violência e empreendimentos que desequilibram todo o meio ambiente no território e expulsam violentamente as populações que aí vivem.

O aumento da capacidade de destruição pelo uso de novas tecnologias não é de hoje. Lembremos do uso da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki e, mais recentemente, do terremoto e tsunami que atingiu e danificou a usina nuclear de Fukushima. A denúncia deste rastro de devastação e as reações da sociedade estão tratadas em O Dia em que o Sol se Foi.

Há também exemplos e tradições que mostram que outro mundo é possível. Desde como se conduzem populações indígenas na sua relação com a “Mãe Terra”, algo que hoje deveríamos olhar com mais atenção e respeito, até a vida em Cuba, um país pobre, socialista, que vive sob um permanente bloqueio econômico imposto pelo principal país capitalista, mas que garante, apesar de todas suas dificuldades, uma excelente qualidade dos serviços de saúde pública e de educação para sua população, especialmente os jovens. Essa vida, cheia de limites e de conquistas, está expressa em Habaneros, um filme que merece ser visto.

A visão de conjunto destes filmes traz sensações contraditórias. Impacta todos nós a enorme destruição das próprias condições de vida do planeta, e a imposição pela violência, pelas guerras, pelos massacres, do modo de produção e de vida do capitalismo globalizado.

Mas estes filmes nos trazem também um alento, nos permitem conhecer referências de que a população que sofre a destruição de suas condições de vida também se defende, preserva valores e tradições, constrói sua capacidade de resistência e de produção do novo.  

Aprendemos que o controle do território pela população que ali vive é uma condição necessária para se enfrentar o avanço predatório da globalização. Nessas lutas, muitas vezes os moradores perdem, mas o sucesso de algumas de suas lutas, como a “Guerra da Água”, em Cochabamba, anima a todos, mostrando que vencer é possível. E as vitórias populares dão novo ânimo a todos que se enfrentam com a globalização.

Os filmes nos mostram como viviam as comunidades antes da globalização e como a globalização transforma suas vidas. Mas não apresentam uma visão saudosista, no sentido de se buscar voltar ao que era. Eles mostram os limites de um modelo de sociedade que, se não atentarmos para os riscos implícitos no seu fazer, podem levar a humanidade a um beco sem saída. E é por isso que tanto esta sequência de filmes quanto a própria Mostra Ecofalante no seu todo dialoga com a necessidade de buscarmos novos paradigmas, novas formas de viver em sociedade, novas formas de produção e consumo.

 

SILVIO CACCIA BAVA é sociólogo e diretor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil.

Serviço:
7ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental
31 de maio a 13 de junho de 2018
entrada franca
Locais:
Reserva Cultural,
Espaço Itaú de Cinema – Augusta,
Centro Cultural Banco do Brasil,
Circuito Spcine Lima Barreto (Centro Cultural São Paulo),
Circuito Spcine Paulo Emílio (Centro Cultural São Paulo),
Circuito Spcine Olido,
Circuito Spcine Tiradentes,
Unibes Cultural,
Fábrica Brasilândia,
Fábrica Capão Redondo,
Fábrica Cidade Tiradentes,
Fábrica Itaim Paulista,
Fábrica Jaçanã,
Fábrica Jardim São Luís,
Fábrica Parque Belém,
Fábrica Sapopemba,
Fábrica Vila Curuçá,
Fábrica Vila Nova Cachoeirinha.
Circuito Spcine CEUs
CEU Aricanduva
CEU Butantã
CEU Caminho do Mar
CEU Feitiço da Vila
CEU Jaçanã
CEU Jambeiro
CEU Meninos
CEU Parque Veredas
CEU Paz

CEU Perus
CEU Quinta do Sol
CEU São Rafael
CEU Três Lagos
CEU Vila Atlântica
CEU Vila do Sol

Realização: Ecofalante, Ministério da Cultura, Governo Federal, Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo
Correalização: Spcine, Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, Instituto Goethe
Patrocínio: Sabesp, Tigre, Kimberly-Clark
Apoio: White Martins, Pepsico e ICS
Lei de Incentivo à Cultura e ao Programa de Apoio à Cultura (ProAC).
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